De certa forma, poucas mudanças substanciais ocorreram ao cinema durante os mais de cem anos de existência dessa arte. Muitas mudanças, de fato, advieram com o passar dos tempos, sendo o som e a cor muito provavelmente os mais significativos. Entretanto, a forma do filme projetando imagens sobre uma superfície plana manteve-se inalterada desde os primórdios.
A tecnologia já nos propiciou avanços incríveis, como câmeras muito mais leves, drones, imagens tridimensionais e muitos novos elementos que de tempos em tempos surgem e revolucionam a forma de fazer e assistir filmes, tentando cada vez mais manter o espectador imerso na narrativa. A partir desse pensamento, não seria nenhum absurdo imaginar uma revolução completa na linguagem cinematográfica visando a maior imersão: um cinema completamente virtual e interativo.
Não apenas um cinema em que através do recurso do óculos de realidade virtual seja possível tomar para si a perspectiva visual, inserindo o espectador na diegese fílmica enquanto ainda o mantém preso à condição daquele a ser guiado pela trama. Mas sim um cinema que, superando a ideia da narrativa linear e única produzida através da montagem, permitisse ao espectador transitar pela história da forma como quisesse.
Excluído o conceito de corte que redireciona o espectador de maneira forçada para a próxima cena, tudo ocorreria em simultâneo. O “ecossistema fílmico” seria um espaço aberto, um universo virtual onde o espectador poderia transitar por conta própria e assistir a obra da perspectiva que quisesse. Uma cena retratando, por exemplo, um cerco policial a um banco onde assaltantes mantém reféns, não ficaria vítima de uma montagem que alternadamente mostrasse uma situação após a outra. Enfim venceríamos a sempre presente dúvida acerca do que ocorre às personagens quando não estão em cena. O espectador poderia permanecer todo o tempo dentro do banco, conferindo cada detalhe da atuação dos criminosos e reféns, ou então poderia visualizar tudo por fora, ao lado dos policiais. Assim como também poderia perfeitamente alternar entre ambos os locais caso preferisse, ou até mesmo abandonar essa cena e procurar possíveis outras que estivessem ocorrendo simultaneamente, já que não seria preciso se limitar a apenas uma narrativa por vez.
Em um filme tradicional, a montagem nos guiaria de um desses núcleos para o outro com um ritmo e dilatação temporal que sirva para criar no espectador a emoção pretendida pelo diretor. Isso é incrível e é justamente o que faz com que o cinema tenha se tornado uma arte tão forte e popular, mas e se essa não fosse a única forma de se assistir ao filme?
O principal fator desse novo tipo de filme é o altíssimo índice repetição. Poderíamos assistir ao mesmo filme inúmeras vezes e nunca seria de fato o mesmo filme, pois a cada vez seria possível assistir através de novas perspectivas, com novos detalhes e diferentes emoções. Imagine os filmes deixando de ser uma sequência de imagens cortadas e se transformando em um verdadeiro ecossistema acontecendo de maneira viva.
Em um filme-ecossistema, além da trama principal também podem ocorrer subtramas em todos os lugares, porque quando tiramos o foco de uma narrativa linear focada numa trama fixa, os figurantes também ganham vida e vivem suas próprias histórias.
Em um filme do Batman o espectador é livre para passear por Gotham. É possível seguir o herói para assistir sua trama de luta contra o crime, mas nada impede de ignorar completamente sua existência e conferir o ecossistema da cidade existindo ao seu redor, talvez encontrando outras histórias vividas por figurantes.
Seria possível assistir a esse filme centenas de vezes e em cada uma delas conferir uma história completamente nova apenas indo para lugares diferentes e entrando em contato com pessoas diferentes.
Essa pode ser uma ideia absurda, impraticável, ridícula, extremamente complicada ou qualquer outro adjetivo que queira usar, mas em tempos de realidade virtual, inteligência artificial, jogos que muitas vezes parecem mais reais que a realidade, atores recriados digitalmente e filmes com orçamentos que quase equivalem ao PIB de um país pequeno, eu acredito que seria uma ideia muito bem-sucedida e não duvido que em algum momento no futuro um projeto desse tipo saia do papel, talvez se tornando até mesmo algo recorrente em um futuro distante.