A escuridão semi-absoluta inundava o lúgubre corredor que, sabe-se lá como, eu havia adentrado. Ao meu redor tudo aparentava estar tomado por uma densa e obscurecida manta, parcialmente interrompida apenas pela fraca e oscilante luz que revelava um pequeno cômodo em minha frente, mas pouco podia enxergar de seu caliginoso interior, separado de mim por uma grade metálica de extensão que sumia naquele breu.
Um ímpeto de curiosidade fez com que me aproximasse das grades, com intenção de identificar o que havia em seu íntimo. Com certo esforço, e me aproveitando dos momentos de maior intensidade da luz, pude ver cada vez mais o âmago daquela sombria cela sem janelas, até perceber que ali dentro havia alguém que, agachado e de costas para mim, encarava compenetradamente a parede oposta.
No momento em que me apoiei nas barras de ferro que compunham as grades, na tentativa de buscar um apoio físico para entender o que de fato acontecia ali, pude perceber que aquele alguém olhou levemente por sobre o ombro, como se sentisse que seus pensamentos mais íntimos estivessem sendo observados. Seu rosto não passava de um vulto na penumbra, mas o pouco que pude enxergar era estranhamente familiar.
Seus olhos cerrados eram mantidos fixamente em minha direção, como se buscassem enxergar algo que não estava ali. Naquele momento percebi que havia algo escrito nas paredes, mas assim como creio que seus olhos não podiam me ver, tampouco eu conseguia enxergar precisamente as marcações que tanto lhe chamavam atenção. Com a aparente desistência em tentar ver quem lhe observava, virou-se novamente à parede e continuou contemplando os misteriosos escritos.
Em determinados momentos, quando a oscilante luz adquiria um brilho mais intenso, eu tentava, a muito custo, decifrar o conteúdo expresso nas paredes, mas, em vez disto, o que me chamava atenção era a percepção de que a cada vez que a luz retornava, a cela se tornava menor que antes. As paredes aparentavam estar se fechando ao redor daquele pobre ser que, tranquilamente, como se ocupado demais para perceber, escrevia novas mensagens por sobre as inúmeras outras que tomavam toda a extensão visível das paredes.
Toda aquela situação me causava uma enorme angústia. A escuridão, a sujeira, o aperto, as grades, as paredes se fechando e, principalmente, a inumana tranquilidade de quem calmamente escrevia em meio a tudo isso. Era inconcebível para mim que alguém mantivesse tamanha calma enquanto estava prestes a ser esmagado pelo próprio entorno.
Cada novo traço marcado naquelas paredes fazia com que elas se fechassem ainda mais. Cada letra, aparentemente tão leve, pesava uma tonelada para mim. Cada segundo presenciando aquilo me parecia um século, mas algo me impedia de sair. Algo ali me fascinava sem que eu sequer pudesse entender o porquê. Não poderia ser aquele ambiente e, àquela altura, já havia esquecido dos traços estranhamente familiares, mas ainda assim algo me prendia ali.
Uma fulminante inquietude fez-me agarrar as grades. Tentei gritar, mas a voz não saía. A cela já havia perdido metade da área que possuía quando cheguei e eu, de fora, agonizava por ambos de nós, principalmente pelo pobre ser que parecia ter se alienado de tudo que ocorria em seu entorno e que, aparentemente, sentia como se nada pudesse lhe atingir, nem mesmo as paredes que, a esta altura, se comprimiam ainda mais rapidamente.
Senti minha respiração acelerando e uma forte tontura tomou conta de mim. Tateei à procura das grades em busca de algum apoio, mas nada encontrei. Cambaleei para trás e tudo que senti foi o impacto do meu corpo entrando em contato com o solo frio. As cotidianas crises há anos já não me eram novidade, mas aquela foi mais forte que as de costume.
Quando a tontura passou, levantei a cabeça e pude ver que o indivíduo da cela havia sentado no chão e, com um tranquilo sorriso estampado no rosto, olhava em minha direção. Não sei se era exatamente para mim, pois não sei se podia me enxergar de fato em meio a escuridão, mas olhava em minha direção. Seu olhar era tão calmo e seu sorriso tão sincero que toda a estranheza que eu sentia se transformou em compaixão. As paredes já estavam quase tocando seu corpo, que mantinha uma tranquilidade invejável. Agora eu invejava sua calma.
A luz se apagou completamente por alguns segundos e quando novamente iluminou o ambiente, a cela estava em seu tamanho normal, a grade estava aberta e não havia mais ninguém ali, apenas uma pequena frase escrita na parede oposta às grades. Levantei e me aproximei para tentar ler, mas as letras eram muito pequenas e a tontura ainda não havia se esvaído totalmente. Cheguei cada vez mais perto, até que adentrei o espaço da cela e me ajoelhei a poucos centímetros da parede para conseguir enxergar a minúscula marcação.
Assim que comecei a ler, a luz começou a oscilar e pude ouvir as grades se fechando atrás de mim. Olhei por sobre o ombro e percebi um vulto apoiado nas barras de ferro, mas, mesmo cerrando os olhos, não consegui identificar.
Aos poucos aquele vulto deixou de me chamar atenção e me voltei ao que realmente atiçava minha curiosidade no momento, a frase escrita na parede. Com muito custo e aproveitando os momentos em que a luz oscilava mais forte, enxerguei as palavra e li: “A ignorância é uma bênção”. Tão logo acabei de ler, as paredes começaram a se fechar ao meu redor, mas agora não havia inquietação alguma em mim, e tudo que fiz foi esboçar o sorriso mais tranquilo e sincero que já havia dado em toda a minha vida.